O segundo domingo de setembro é dia de festa no
Santuário Estadual Nossa Senhora da Piedade - Padroeira do Estado de Minas
Gerais. A data coincide exatamente com o dia 15, quando, na liturgia, se
celebra Nossa Senhora das Dores, a Mãe da Piedade. Reconhecer a importância
desse momento é fundamental. As datas especiais são componentes determinantes
do movimento que dá ritualidade à vida de cada pessoa, de uma família e de um
povo.
A vida sem ritos perde sua interioridade e, assim,
corre o risco de cair na superficialidade. Os prejuízos serão sempre grandes,
comprometendo o sentido de solidariedade, a consciência de povo e os laços
culturais. Essa perda impõe ao dia a dia uma rotina que esteriliza o viver e
não lhe permite um horizonte altruísta, belo. Celebrar o dia 15 de setembro - e
os sete dias que o precedem; meditando as sete dores de Maria - é um ritual que
pode e deve se tornar uma grande fonte de força para os mineiros, com incidências
na vivência da fé e na própria cultura.
Vale a pena ter presente que os rituais, mesmo
aqueles de gestos simples, abrem caminhos e ampliam horizontes, no conjunto da
vida de um povo e no andamento das instituições; qualifica relações interpessoais,
tão importantes e urgentes num tempo de individualismos e isolamentos. A
vivência de tudo que envolve os ritos, incontestavelmente, impulsiona na
direção da fonte de referências que podem transformar a vida, particularmente
com a compreensão adequada do caminho para se viver bem.
Os ritos são gestos concretos e ordenam a vida com
leveza e beleza. Têm força curativa, propriedades para resgates importantes e
criação das condições que permitem a reconquista da inteireza do viver, a
inserção social e cultural adequadas, bem como a capacidade de contribuir com
cidadania. Assim, o ritual, com todos os gestos, por mais simples que seja,
como a celebração da Padroeira de Minas, torna-se uma oportunidade de dar à
própria alma, na vivência da fé e na condução da vida, uma nova ordem.
Esse novo ordenamento desdobra-se em incidências
sobre as dinâmicas social e política, pela peculiaridade do resgate da
história, pela força própria advinda da reverência a pessoas de grande estatura
que nos precederam, além do reconhecimento dos dons e prerrogativas recebidos
através da natureza, da história, da cultura e da religiosidade. É uma
oportunidade de reafirmar valores, enraizar a profundidade da autoestima e
convencer-se de que a vida tem sentido.
A Padroeira de Minas não é uma invenção de hoje,
nem um mecanismo de produção de alguma coisa. É um legado que tem oficialidade
ultrapassando mais de 50 anos. Uma história que reverencia a memória de homens
notáveis, como o Monsenhor Domingos Evangelista Pinheiro, o Cardeal Carlos
Carmelo de Vasconcelos Motta, Frei Rosário Joffily e tantos outros, muitos
devotos, peregrinos, cuidadores e defensores desta herança nossa: o Santuário
da Padroeira de Minas e a devoção à Senhora da Piedade. Um patrimônio
comparável àqueles que são mundialmente reconhecidos como mais belos e
significativos.
Sua história remonta à figura eremítica do
português Antônio da Silva Bracarena, aquele que veio para ganhar dinheiro, e
com o dinheiro ganho construiu a Ermida para ser a casa de clemência e bondade
da Senhora da Piedade. Deixa assim - tocado pela narração da aparição de Nossa
Senhora, no alto da Serra da Piedade, vista por uma menina da comunidade no
sopé da montanha, muda, e que volta a falar - uma herança de religiosidade que
caminha para 250 anos de história, 200 anos de peregrinações, 53 de oficialização
como padroeira dos mineiros, significativa e completa expressão da fé
cristã.
O tesouro desta fé, enraizado na magnífica
arquitetura divina que é a Serra da Piedade, que congrega o patrimônio
paisagístico natural e a herança histórica de grande relevância, merece de
todos um grande apreço. Exige também a disposição de cada um para celebrar, de
longe ou de perto, a festa da Padroeira. Do alto da Serra da Piedade, tocados
pelo silêncio das montanhas, beijados pela aragem que só nelas se encontra, avistando
longe, pode se fazer a inigualável experiência de crer, de transformar-se pela
força da beleza e de orgulhar-se santamente pelo privilégio deste patrimônio
sagrado. A oportunidade é de semear a alegria mineira dessa herança, unir e
fortalecer o povo ao celebrar solidariedades. Momento de olhar para Minas e sua
padroeira com um amor novo. É festa da Padroeira, de todos os mineiros, uma
festa de todos.
Dom Walmor Oliveira
de Azevedo
Colunista do Portal
Ecclesia.
Arcebispo de Belo
Horizonte (MG). Doutor em teologia bíblica pela Pontifícia Universidade
Gregoriana, em Roma (Itália). Mestre em ciências bíblicas pelo Pontifício
Instituto Bíblico, em Roma (Itália).
Da redação do Portal Ecclesia