Um homem surdo foi
avisado que um vizinho seu estava doente. Ele pensou consigo mesmo: - Devo
mesmo visitá-lo, não tem saída. No entanto, com a minha surdez como poderei
entender o que o vizinho irá me dizer? Vou tentar adivinhá-lo pelo movimento
dos seus lábios. Quando eu lhe perguntar: Como está o meu pobre amigo? Ele
responderá: “Muito bem!”. Então eu lhe direi: Louvado seja Deus! E depois
falarei: O que tem tomado? Ele deve responder: “Um sorvete”. E eu: Bom
proveito! E depois: Quem é o médico que está cuidando do senhor? “O tal”. Ele é
bom, vai dar tudo certo.
Tendo, assim,
preparado de antemão todas as perguntas e as respostas ele foi visitar o
enfermo.
– Como o senhor
está? – perguntou.
– Estou para
morrer – respondeu o outro.
– Louvado seja
Deus – exclamou o surdo.
O doente ficou
indignado com estas palavras e pensou: “Este deve ser um dos meus antigos
inimigos!”
O surdo continuou
com a conversa: - O que o senhor tomou?
- Veneno –
respondeu o outro.
– Bom proveito! -
continuou o surdo, aumentando a raiva do doente.
– Quem é o médico
que está cuidando do senhor?
- O anjo da morte!
Vá embora daqui! – gritou o enfermo.
– Coragem, ele é
um médico bom, vai dar tudo certo! – disse o visitante na saída. - Graças a
Deus, consegui – pensou consigo mesmo o surdo, com um suspiro de alívio.
Esta é uma antiga
história do século 13 para sorrir e refletir. Quantas vezes, apesar de não
sermos nada surdos, agimos ou conversamos como se o fossemos. É o chamado
“diálogo entre surdos” quando as pessoas conversam, mas não escutam – ou não
querem escutar - o que o outro diz. Um fala uma coisa, mas o outro entende – ou
finge entender – o que bem quiser, distorcendo, muitas vezes, as palavras do
outro. É tempo perdido para ambos. É inútil, não resolve e não muda nada.
Neste domingo, o
evangelho nos apresenta a primeira pregação de Jesus e o chamado, também, dos
primeiros discípulos. O seu convite à conversão e ao seguimento ecoa, ainda
hoje, para todos, sem dúvidas, com tempos e respostas diferentes para cada um,
mas ainda capaz de mudar a vida das pessoas. A conversão é uma decisão
importante; se for algo passageiro e superficial é pura ilusão, promessa nunca
cumprida. Conversão pede mudança de pensamentos, valores, posturas e estilo de
vida.
Contudo, isso pode
acontecer somente quando percebemos e acreditamos que esta mudança seja para
melhor. Não uma melhoria na “quantidade”, mas na “qualidade”. Estamos
escolhendo algo que nos fará mais felizes, que dará mais sentido e plenitude a
nossa vida. Por isso, a conversão exige também fé e confiança em quem nos
convida a mudar. Na dúvida, ninguém se mexe; o bom senso e a prudência nos
prendem.
Pelo jeito os
primeiros apóstolos tiveram coragem, deixaram o que era seguro e conhecido para
eles – o barco, a pesca, o pai – para seguir o pregador de Nazaré. Talvez, simplesmente,
viram em Jesus alguém mais confiável do que as suas redes, do que a sua própria
profissão. Somente na palavra continuavam a ser “pescadores”, mas agora o
seriam de pessoas, de amigos e inimigos, de conhecidos e desconhecidos.
Deixaram o que lhes devia parecer certo, para algo de imprevisível e
desconhecido. Acreditaram, porém, que o que lhes podia acontecer, com Jesus,
devia ser algo para o qual valia a pena arriscar a vida.
Desde aquele
tempo, quantos ficaram insensíveis ao chamado de Jesus... Quantos de nós, ainda
hoje, preferimos os nossos cálculos, o nosso aconchego aos riscos da vivência
do evangelho? Falo assim porque, quando menos pensamos, todos podemos ficar
“surdos” aos apelos de Jesus ou nos satisfazer com respostas já preparadas, doutrinalmente
perfeitas, mas longe da alegria e do entusiasmo do evangelho. Estas respostas
não têm nada a ver com a conversão. Servem só para nos convencer que, afinal,
continuamos sendo bons cristãos. Se o Senhor quiser, chame outros, nós já
respondemos. Será mesmo?
Dom Pedro José
Conti
Colunista do
Portal Ecclesia. (+ artigos)
Bispo de Macapá
(AP). Estudou filosofia e teologia no seminário da diocese de Brescia, na
Itália. Doutor em engenharia eletrônica no Politécnico de Milão, na Espanha.
Da redação do
Portal Ecclesia.
http://www.portalecclesia.com/2014/01/o-surdo-e-o-doente.html