Bento
XVI diz que Quaresma é período para renovarmos, com ajuda de Deus, o caminho da
fé. A Quaresma tem início na Quarta-feira de Cinzas, que este ano será em
22 de fevereiro. O Vaticano divulgou a Mensagem do papa para o
período. O tema da Mensagem foi extraído da Carta aos Hebreus, “Prestemos
atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (Hb 10, 24).
De
acordo com Bento XVI neste período é propício renovarmos, com a ajuda da
Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de
fé: "Trata-se de um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo
silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal“.
A Mensagem aborda no primeiro ponto a responsabilidade pelos
irmãos. Como já dizia Paulo VI, o mundo atual sofre, sobretudo de falta de
fraternidade. "A responsabilidade pelo próximo significa querer e
favorecer o bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem;
interessar-se pelo irmão quer dizer abrir os olhos às suas necessidades."
O dom da reciprocidade foi o segundo ponto
detalhado. "Uma sociedade como a atual pode tornar-se surda quer aos
sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida. Não deve
ser assim na comunidade cristã! Os discípulos do Senhor vivem numa comunhão que
os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto significa que o outro
me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a minha vida e a minha
salvação", disse o papa.
O último ponto é o caminhar juntos na santidade. A atenção
recíproca tem como finalidade estimular-se, mutuamente, a um amor efetivo
sempre maior. "Os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não
avança, recua", assinala o Papa, citando o Beato João Paulo II.
Leia na íntegra a Mensagem do Santo Padre
Mensagem de Sua Santidade Bento XVI para a
Quaresma de 2012
“Prestemos atenção uns aos outros, para nos
estimularmos ao amor e às boas obras” (Heb 10, 24).
Irmãos e irmãs!
A Quaresma oferece-nos a oportunidade de refletir mais uma vez
sobre o cerne da vida cristã: o amor. Com efeito, este é um tempo propício para
renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho
pessoal e comunitário de fé. Trata-se de um percurso marcado pela oração e a
partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal.
Desejo, este ano, propor alguns pensamentos inspirados num breve
texto bíblico tirado da Carta aos Hebreus: “Prestemos atenção uns aos outros,
para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (10, 24). Esta frase aparece
inserida numa passagem onde o escritor sagrado exorta a ter confiança em Jesus
Cristo como Sumo Sacerdote, que nos obteve o perdão e o acesso a Deus. O fruto
do acolhimento de Cristo é uma vida edificada segundo as três virtudes
teologais: trata-se de nos aproximarmos do Senhor “com um coração sincero, com
a plena segurança da fé” (v. 22), de conservarmos firmemente “a profissão da nossa
esperança” (v. 23), numa solicitude constante por praticar, juntamente com os
irmãos, “o amor e as boas obras” (v. 24). Na passagem em questão afirma-se
também que é importante, para apoiar esta conduta evangélica, participar nos
encontros litúrgicos e na oração da comunidade, com os olhos fixos na meta
escatológica: a plena comunhão em Deus (v. 25). Detenho-me no versículo 24,
que, em poucas palavras, oferece um ensinamento precioso e sempre atual sobre
três aspectos da vida cristã: prestar atenção ao outro, a reciprocidade e a
santidade pessoal.
“Prestemos atenção”: a responsabilidade pelo irmão.
O primeiro elemento é o convite a «prestar atenção»: o verbo grego
usado é katanoein, que significa observar bem, estar atento, olhar
conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no Evangelho,
quando Jesus convida os discípulos a “observar” as aves do céu, que não se
preocupam com o alimento e, todavia são objeto de solícita e cuidadosa
Providência divina (cf. Lc 12, 24), e a “dar-se conta» da trave que têm na
própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão (cf. Lc
6, 41). Encontramos o referido verbo também noutro trecho da mesma Carta aos
Hebreus, quando convida a «considerar Jesus” (3, 1) como o Apóstolo e o Sumo
Sacerdote da nossa fé. Por conseguinte o verbo, que aparece na abertura da
nossa exortação, convida a fixar o olhar no outro, a começar por Jesus, e a
estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino
dos irmãos. Mas, com frequência, prevalece a atitude contrária: a indiferença,
o desinteresse, que nascem do egoísmo, mascarado por uma aparência de respeito
pela “esfera privada”. Também hoje ressoa, com vigor, a voz do Senhor que chama
cada um de nós a cuidar do outro. Também hoje Deus nos pede para sermos o
“guarda” dos nossos irmãos (cf. Gn 4, 9), para estabelecermos relações
caracterizadas por recíproca solicitude, pela atenção ao bem do outro e a todo
o seu bem. O grande mandamento do amor ao próximo exige e incita a consciência a
sentir-se responsável por quem, como eu, é criatura e filho de Deus: o fato de
sermos irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé deve levar-nos a
ver no outro um verdadeiro alter ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se
cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração
a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão. O Servo de
Deus Paulo VI afirmava que o mundo atual sofre, sobretudo de falta de
fraternidade: “O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de
fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no
monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo” (Carta enc. Populorum
progressio, 66).
A atenção ao outro inclui que se deseje, para ele ou para ela, o bem
sob todos os seus aspectos: físico, moral e espiritual. Parece que a cultura
contemporânea perdeu o sentido do bem e do mal, sendo necessário reafirmar com
vigor que o bem existe e vence, porque Deus é “bom e faz o bem” (Sal 119/118,
68). O bem é aquilo que suscita, protege e promove a vida, a fraternidade e a
comunhão. Assim a responsabilidade pelo próximo significa querer e favorecer o
bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem; interessar-se
pelo irmão quer dizer abrir os olhos às suas necessidades. A Sagrada Escritura
adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie de
“anestesia espiritual”, que nos torna cegos aos sofrimentos alheios. O
evangelista Lucas narra duas parábolas de Jesus, nas quais são indicados dois
exemplos desta situação que se pode criar no coração do homem. Na parábola do
bom Samaritano, o sacerdote e o levita, com indiferença, “passam ao largo” do
homem assaltado e espancado pelos salteadores (cf. Lc 10, 30-32), e, na do rico
avarento, um homem saciado de bens não se dá conta da condição do pobre Lázaro
que morre de fome à sua porta (cf. Lc 16, 19). Em ambos os casos, deparamo-nos
com o contrário de “prestar atenção”, de olhar com amor e compaixão. O que é
que impede este olhar feito de humanidade e de carinho pelo irmão? Com
frequência, é a riqueza material e a saciedade, mas pode ser também o antepor a
tudo os nossos interesses e preocupações próprias. Sempre devemos ser capazes
de “ter misericórdia” por quem sofre; o nosso coração nunca deve estar tão
absorvido pelas nossas coisas e problemas que fique surdo ao brado do pobre.
Diversamente, a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento
podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar interior para a compaixão
e a empatia: “O justo conhece a causa dos pobres, porém o ímpio não o
compreende” (Prov 29, 7). Deste modo entende-se a bem-aventurança “dos que
choram” (Mt 5, 4), isto é, de quantos são capazes de sair de si mesmos porque
se comoveram com o sofrimento alheio. O encontro com o outro e a abertura do
coração às suas necessidades são ocasião de salvação e de bem-aventurança.
O fato de “prestar atenção” ao irmão inclui, igualmente, a
solicitude pelo seu bem espiritual. E aqui desejo recordar um aspecto da vida
cristã que me parece esquecido: a correção fraterna, tendo em vista a salvação
eterna. De forma geral, hoje é-se muito sensível ao tema do cuidado e do amor
que visa o bem físico e material dos outros, mas quase não se fala da
responsabilidade espiritual pelos irmãos. Na Igreja dos primeiros tempos não
era assim, como não o é nas comunidades verdadeiramente maduras na fé, nas
quais se tem a peito não só a saúde corporal do irmão, mas também a da sua alma
tendo em vista o seu destino derradeiro. Lemos na Sagrada Escritura: “Repreende
o sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais
sábio, ensina o justo e ele aumentará o seu saber” (Prov 9, 8-9). O próprio
Cristo manda repreender o irmão que cometeu um pecado (cf. Mt 18, 15). O verbo
usado para exprimir a correção fraterna – elenchein – é o mesmo que indica a
missão profética, própria dos cristãos, de denunciar uma geração que se faz
condescendente com o mal (cf. Ef 5, 11). A tradição da Igreja enumera entre as
obras espirituais de misericórdia a de “corrigir os que erram”. É importante
recuperar esta dimensão do amor cristão. Não devemos ficar calados diante do
mal. Penso aqui na atitude daqueles cristãos que preferem, por respeito humano
ou mera comodidade, adequar-se à mentalidade comum em vez de alertar os
próprios irmãos contra modos de pensar e agir que contradizem a verdade e não
seguem o caminho do bem. Entretanto a advertência cristã nunca há-de ser
animada por espírito de condenação ou censura; é sempre movida pelo amor e a
misericórdia e brota duma verdadeira solicitude pelo bem do irmão. Diz o
apóstolo Paulo: “Se porventura um homem for surpreendido nalguma falta, vós,
que sois espirituais, corrigi essa pessoa com espírito de mansidão, e tu olha
para ti próprio, não estejas também tu a ser tentado” (Gl 6, 1). Neste nosso
mundo impregnado de individualismo, é necessário redescobrir a importância da
correção fraterna, para caminharmos juntos para a santidade. É que “sete vezes
cai o justo” (Prov 24, 16) – diz a Escritura –, e todos nós somos frágeis e
imperfeitos (cf. 1 Jo 1, 8). Por isso, é um grande serviço ajudar, e deixar-se
ajudar, a ler com verdade dentro de si mesmo, para melhorar a própria vida e
seguir mais retamente o caminho do Senhor. Há sempre necessidade de um olhar
que ama e corrige que conhece e reconhece que discerne e perdoa (cf. Lc 22,
61), como fez, e faz Deus com cada um de nós.
“Uns aos outros”: o dom da reciprocidade.
O fato de sermos o “guarda” dos outros contrasta com uma
mentalidade que, reduzindo a vida unicamente à dimensão terrena, deixa de a
considerar na sua perspectiva escatológica e aceita qualquer opção moral em
nome da liberdade individual. Uma sociedade como a atual pode tornar-se surda
quer aos sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida.
Não deve ser assim na comunidade cristã! O apóstolo Paulo convida a procurar o
que «leva à paz e à edificação mútua» (Rm 14, 19), favorecendo o “próximo no
bem, em ordem à construção da comunidade” (Rm 15, 2), sem buscar “o próprio
interesse, mas o do maior número, a fim de que eles sejam salvos” (1 Cor 10,
33). Esta recíproca correção e exortação, em espírito de humildade e de amor,
deve fazer parte da vida da comunidade cristã.
Os discípulos do Senhor, unidos a Cristo através da Eucaristia, vivem
numa comunhão que os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto
significa que o outro me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a
minha vida e a minha salvação. Tocamos aqui um elemento muito profundo da
comunhão: a nossa existência está ligada com a dos outros, quer no bem quer no
mal; tanto o pecado como as obras de amor possuem também uma dimensão social.
Na Igreja, corpo místico de Cristo, verifica-se esta reciprocidade: a
comunidade não cessa de fazer penitência e implorar perdão para os pecados dos
seus filhos, mas alegra-se contínua e jubilosamente também com os testemunhos
de virtude e de amor que nela se manifestam. Que “os membros tenham a mesma
solicitude uns para com os outros” (1 Cor 12, 25) – afirma São Paulo –, porque
somos um e o mesmo corpo. O amor pelos irmãos, do qual é expressão a esmola –
típica prática quaresmal, juntamente com a oração e o jejum – radica-se nesta
pertença comum. Também com a preocupação concreta pelos mais pobres, pode cada
cristão expressar a sua participação no único corpo que é a Igreja. E é também
atenção aos outros na reciprocidade saber reconhecer o bem que o Senhor faz
neles e agradecer com eles pelos prodígios da graça que Deus, bom e
omnipotente, continua a realizar nos seus filhos. Quando um cristão vislumbra
no outro a ação do Espírito Santo, não pode deixar de se alegrar e dar glória
ao Pai celeste (cf. Mt 5, 16).
“Para nos estimularmos ao amor e às boas obras”: caminhar
juntos na santidade.
Esta afirmação da Carta aos Hebreus (10, 24) impele-nos a
considerar a vocação universal à santidade como o caminho constante na vida
espiritual, a aspirar aos carismas mais elevados e a um amor cada vez mais alto
e fecundo (cf. 1 Cor 12, 31 – 13, 13). A atenção recíproca tem como finalidade estimular-se,
mutuamente, a um amor efetivo sempre maior, “como a luz da aurora, que cresce
até ao romper do dia” (Prov 4, 18), à espera de viver o dia sem ocaso em Deus.
O tempo, que nos é concedido na nossa vida, é precioso para descobrir e
realizar as boas obras, no amor de Deus. Assim a própria Igreja cresce e se
desenvolve para chegar à plena maturidade de Cristo (cf. Ef 4, 13). É nesta
perspectiva dinâmica de crescimento que se situa a nossa exortação a
estimular-nos reciprocamente para chegar à plenitude do amor e das boas obras.
Infelizmente, está sempre presente a tentação da tibieza, de
sufocar o Espírito, da recusa de “pôr a render os talentos” que nos foram dados
para bem nosso e dos outros (cf. Mt 25, 24-28). Todos recebemos riquezas
espirituais ou materiais úteis para a realização do plano divino, para o bem da
Igreja e para a nossa salvação pessoal (cf. Lc 12, 21; 1 Tm 6, 18). Os mestres
espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua. Queridos irmãos
e irmãs, acolhamos o convite, sempre atual, para tendermos à “medida alta da
vida cristã” (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 31). A Igreja,
na sua sabedoria, ao reconhecer e proclamar a bem-aventurança e a santidade de
alguns cristãos exemplares, tem como finalidade também suscitar o desejo de
imitar as suas virtudes. São Paulo exorta: “Adiantai-vos uns aos outros na
mútua estima” (Rm 12, 10).
Que todos, à vista de um mundo que exige dos cristãos um renovado
testemunho de amor e fidelidade ao Senhor, sintam a urgência de esforçar-se por
adiantar no amor, no serviço e nas obras boas (cf. Heb 6, 10). Este apelo
ressoa particularmente forte neste tempo santo de preparação para a Páscoa. Com
votos de uma Quaresma santa e fecunda, confio-vos à intercessão da
Bem-aventurada Virgem Maria e, de coração, concedo a todos a Bênção Apostólica.
Vaticano, 3 de Novembro de 2011
Benedictus PP. XVI
Retirado de www.diocesedesaojoaodelrei.com.br