Soube de uma senhora, ainda jovem, que narrou a força que
fizera pra levar o marido à Missa, homem duro, de vontade de ferro e coração de
pedra. Demorou. Mas, um dia, ele foi. Era perto do Natal, nada mais natural.
Sentou-se sério, ouvido atento. O que ela não esperava é que, justo naquele
dia, fosse lida a genealogia de Jesus: “Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó,
Jacó gerou Judá...” três vezes: quatorze gerações. Ela se encolheu no banco e
pensou: É o fim! No caminho de volta, silêncio total. Assim que entrou, ela
pediu desculpas. Seria melhor outro texto, mais saboroso... Qual não foi a sua
surpresa, quando o marido lhe confiou que nunca mais faltaria à Missa. E
completou: Aquela não é a minha família? Não posso ficar fora dela!
Hoje quero falar dos homens dessa família. Na semana que
vem, as mulheres. Adão é o primeiro homem: o homem mítico, o homem-criança.
Preso a um jardim-de-infância, precisou romper com o lado infantil. Mas, ao
fazer isso, como todos os homens-crianças acabam fazendo, rompeu também com a
figura paterna, estancou a fonte, quebrou a harmonia. E se tornou um homem com
mágoa do pai. E homens com mágoa paterna sempre têm problemas com autoridade.
Abraão é o peregrino que parte para chegar a si mesmo, e,
para isso, precisa romper todas as dependências e apegos. “Sai da tua terra e
vai...” (Gn 12,1). Enquanto Adão rompeu com Deus para buscar a liberdade,
Abraão se uniu ainda mais a Ele, justamente, para buscar construir-se. Para
onde vamos? Sempre para casa. Tudo o que começou com Adão, recomeça com Abraão.
Quem sabe agora dê certo? Parece ser sempre essa a expectativa de Deus.
Isaac sequer mudou de nome. Ele vai permanecer no papel
de vítima onde foi colocado pelo pai. Será enganado por Rebeca. Contudo,
enquanto vítima, foi também algoz. Cego, ele prefere Jacó e fere Esaú. Sara já
havia pressionado Abraão a repudiar Ismael, o filho da escrava. Isaac revê o
drama se repetindo ali: irmãos que não se entendem, Esaú pronto a matar Jacó.
Assuntos não resolvidos sempre se repetirão.
E Jacó? Esse foi o “filhinho da mamãe”. Por ele, Rebeca
enganou o marido e perdeu o outro filho. Jacó teve de fugir para reconstruir a
vida em outro lugar. Será enganado pelo sogro que lhe dará Lia no lugar de
Raquel. Sempre as mesmas questões e as mesmas repetições. No final, Jacó terá
de enfrentar o irmão Esaú. Só então receberá a bênção que um dia roubou.
Quando, no fim da história, os dois irmãos se encontrarem e se reconciliarem,
Jacó dirá a Esaú: “Vim à tua presença como se vem à presença de Deus...” (Gn
33,10). Fecha-se o ciclo. Nenhuma mentira mais. Nada a esconder.
Viram como é sempre a mesma história: um pai, uma mãe,
irmãos, disputas e repetições. Tudo simples. Sem Deus, nada fácil! Eu também
vim à sua presença como se vai à presença de Deus.
Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo de Niterói (RJ)
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