O assunto pode parecer sem
sentido. Ou inadequado. Ou ao menos inoportuno. Mas não faz mal colocar algumas
ponderações, que encontram fácil justificativa no contexto de mais um dia de
finados, seguido do dia de todos os santos.
Com estas duas celebrações,
a intenção da liturgia é franca e sem rodeios. Ela nos convida a pensar no
final da vida, e no destino que nos aguarda após a morte. E de uma maneira mais
ampla, no presumível “fim do mundo” , que a finitude da natureza nos garante
como certo!
Dependendo de circunstâncias
aleatórias, com frequência volta às manchetes a previsão de que o fim do mundo
está próximo, às vezes até com data marcada.
Se olhamos com atenção o
depoimento
dos Evangelhos, percebemos que no tempo de Cristo havia um forte
movimento escatológico. Ele se conectava facilmente com as grandes expectativas
do povo de Isael, forjadas todas elas na esperança de uma manifestação divina
em seu favor.
Podemos perceber a presença
desta visão escatológica, na breve síntese da pregação inicial de Jesus, que
Marcos nos apresenta: “Completou-se o tempo, o Reino de Deus está próximo,
convertei-vos, e crede no Evangelho.”
Assim fazendo, Cristo
valorizava as expectativas do movimento escatológico, canalizando-as para a
mensagem que ele tinha a transmitir. Como precisava alertar a todos para que se
dessem conta do que estava por acontecer, ele aproveitava o clima de
expectativa escatológica, que servia para alertar o povo.
Enquanto o povo era motivado
pelos presságios de grandes acontecimentos, Jesus aproveitava para confirmar
que, de fato, estavam próximos eventos importantes, onde ele mesmo seria o
protagonista principal., no contexto do “mistério pascal”, que incluía sua
paixão, morte e ressurreição.
Com esta finalidade Jesus
assimilava o linguajar escatológico dos profetas,valendo-se dele para armar o
cenário em que ele iria cumprir a missão recebida de Deus.
Ao mesmo tempo que utilizava
o gênero literário apocalíptico, Jesus se empenhava em explicar que as
expectativas dele eram bem diferentes das expectativas do movimento
escatológico. Estas facilmente estreitavam as esperanças do povo dentro da
visão acanhada de derrotas a infligir a vizinhos e inimigos.
Algumas passagens do
Evangelho trazem com tanta ênfase as expectativas escatológicas de Jesus, que
pareceria ter-se equivocado. Pois ele chegou a afirmar: “esta geração não
passará, até que tudo isto tenha se cumprido” (Mc 13,30).
Sua vontade de cumprir por
inteiro sua missão, o levava a diluir as fronteiras entre o presente e o
futuro.
Do ponto de vista da fé
cristã, podemos olhar o futuro de nossa vida e do próprio mundo com serenidade.
Pois o grande evento se realizou, na pessoa de Cristo que, “uma vez por todas”,
ofereceu sua vida “em resgate pela multidão”. Este é o grande fato, que Jesus
predizia, e que a Igreja vive nas três dimensões do tempo: o passado, que é
recuperado pela memória e se torna presente pela celebração, que por sua vez
aponta o futuro, antecipando sua plenitude que um dia se manifestará.
Como Cristo, nós também vivemos
as três dimensões do tempo, até o dia em que se tornará eternidade.
Dom Luiz Demétrio Valentini
Colunista do Portal
Ecclesia.
Bispo de Jales (SP). Cursou
filosofia no Seminário Maior de Viamão (RS) e teologia na Pontifícia
Universidade Gregoriana, em Roma. Licenciado em letras pela Faculdade de
Palmas, no Paraná.
Da redação do Portal
Ecclesia.